Cinco brasileiros morrem em acidentes de trânsito a cada hora. Estatísticas de extrema relevância como essa podem despertar muitas reações positivas, mas nem sempre são o suficiente para mudar a realidade. Porém, saber que na cidade de São Paulo os cruzamentos concentram mais acidentes por quilômetro e que esses aumentaram 5% de 2017 para 2018, já é uma informação capaz de dar insumos aos tomadores de decisão sobre medidas que possam reduzir tais números. Agir nos cruzamentos mais perigosos salvará vidas.
Para basear em evidências as políticas públicas de segurança viária no âmbito do plano Vida Segura, o Instituto Cordial, em parceria com WRI Brasil, Iniciativa Bloomberg para a Segurança Global no Trânsito, Vital Strategies, CET-SP e Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, com patrocínio do Itaú Unibanco, criou o Painel da Segurança Viária. A iniciativa promoveu cinco encontros reunindo representantes do poder público, empresas e sociedade civil para analisar os dados existentes e identificar causas que possam gerar soluções para tornar as ruas mais seguras para motoristas, ciclistas e pedestres.
No ciclo 2019, foram analisados 86 mil acidentes de trânsito com vítimas ocorridos entre 2014 e 2018 na cidade. Desse trabalho, surgiram 140 hipóteses para serem respondidas, como por exemplo: “será que ocorrem mais acidentes nos cruzamentos ou nos meios de quadra?”. O objetivo era entender a relação entre as colisões e as características das ruas onde elas ocorreram, incluindo fatores como localização, largura de calçadas, comprimento e largura das vias, presença de ciclovias, faixas exclusivas e corredores de ônibus e redução do limite de velocidade. Com isso, é possível saber de que maneira o desenho das ruas está influenciando nos conflitos e adaptá-lo em nome da segurança de todos os usuários.
O estudo, realizado pelo Instituto Cordial em parceria com o WRI Brasil, a Iniciativa Bloomberg para a Segurança Global no Trânsito e a Vital Strategies, é a sequência de uma pesquisa feita em 2018. Na ocasião, foram identificados 200 pontos críticos e prioritários para intervenções na próxima década. Um deles já recebeu intervenções e o compromisso da prefeitura para o biênio 2019-2020 é realizar outras 19.
Veja algumas hipóteses respondidas pela pesquisa lançada na última segunda-feira.
Há mais acidentes em meio de quadra ou cruzamentos?
Estatísticas anteriores mostravam que cerca de 90% dos acidentes ocorriam nos meios de quadra. Como o levantamento cruzou informações georreferenciadas dos acidentes com o mapa da cidade, foi possível perceber que essa era uma conclusão imprecisa devido a um erro na origem dos dados. Eram contabilizados como acidentes nos cruzamentos apenas casos em que a colisão ocorria no eixo entre duas ruas, quando na verdade trechos próximos a esquinas também podem ser considerados parte de um cruzamento.
A nova análise mostrou que ocorrem mais acidentes em meios de quadra do que em cruzamentos, mas há mais quilômetros de meio de quadra do que de cruzamentos. Quando se olha para a extensão em comparação ao número de acidentes, conclui-se que os cruzamentos concentram mais acidentes por quilômetro. A pesquisa mostrou que além da concentração maior, de 2017 para 2018 houve um aumento de 5% nos acidentes em cruzamentos, enquanto os casos em meio de quadra reduziram. É um ponto que vale a pena ser estudado pelo planejamento da cidade para entender o motivo e pensar soluções.
Quais tipos de rua têm mais acidentes?
Ruas mais largas e com quadras longas em geral são menos seguras. O que já se sabia com base em dados de outros países, agora ficou comprovado também na capital paulista. Quadras menores e paradas mais frequentes nas interseções reduzem a velocidade dos veículos e desestimulam pedestres a atravessarem no meio da quadra, encurtando as distâncias percorridas e gerando mais segurança.
Quando se olha para os acidentes em meio de quadra, os tipos de rua com mais casos são as arteriais, geralmente avenidas com pelo menos duas pistas para veículos. Mas ao olhar para a severidade, as vias de trânsito rápido, como as marginais, têm uma concentração maior de fatalidades. Uma análise apenas dos casos envolvendo motociclistas, por exemplo, mostra que ruas com mais de trêss faixas concentram duas vezes mais acidentes.
A redução de velocidade salva vidas?
A equipe responsável pelo estudo analisou apenas as avenidas que passaram por uma redução no limite de velocidade na cidade de São Paulo. A média de acidentes por ano reduziu praticamente à metade (49%) e os casos com fatalidades caíram 35%. Quando se olha apenas para os atropelamentos, o número de casos caiu 53% e as fatalidades, 48% depois da redução.
Os números comprovam na realidade o que a física e as boas práticas de segurança viária consolidaram há muito tempo. Já se sabia que o número total de acidentes na cidade havia reduzido após a redução de velocidade, mas nunca havia sido feita uma avaliação específica sobre as avenidas que passaram pela alteração. A chance de sobreviver a um atropelamento em que o veículo está a 30 km/h é de 90%, enquanto a 60 km/h a chance de acabar em morte é de 90%.
Desenho das ruas é determinante para a segurança
O que o estudo feito em São Paulo comprova é que as características físicas do sistema viário são determinantes para a segurança das pessoas. “Nenhuma fatalidade no trânsito é aceitável. As pessoas comentem erros e o sistema viário deve protegê-las. Para isso, é necessário intervir no sistema viário a partir de evidências e em um profundo entendimento do território”, destaca Diogo Dias Lemos, analista de Segurança Viária do WRI Brasil. São Paulo está entendendo cada vez mais as suas ruas e isso é uma grande oportunidade para que implemente mudanças em grande escala para cumprir a ambição de assumir um lugar entre as cidades com trânsito mais seguro do mundo.
Via WRI Brasil.